Há um lindo texto de Freud (1914), chamado “Recordar, repetir e elaborar”, no qual desenvolve fenômenos que estão na base do pensamento psicanalítico.

No relacionamento com seu terapeuta, o paciente repete comportamentos e reações características de suas experiências anteriores.

Freud explica que “o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu ou reprimiu, mas se expressa pela atuação ou atua-o. Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente saber o que está repetindo” (p.196).

Em análise, as fantasias e pensamentos inconscientes acabam sendo rememorados e trazidos para o consciente. São criadas as condições para que o analisando elabore representações simbólicas e compreensões que até então não eram percebidas.

Após um tempo de psicoterapia, vamos percebendo o que eu chamo de “mais do mesmo”. São aquelas situações do cotidiano, que por mais diversas que pareçam, acabam sendo repetidamente processadas de forma mais ou mesmo parecidas, conforme a história de vida de cada um. Daí a sensação muito comum de que as coisas estão sempre estáticas, sem movimento ou pior, sempre iguais.

Uma vez conscientizado de que as repetições são meras atuações de situações “esquecidas” (mas representativas, pois deixaram marcas), a gente começa elaborar (labor = trabalho) questões do presente para trilhar um novo futuro.

Fico pensando, como metáfora de funcionamento organizacional, o quanto deste funcionamento pessoal pode estar sendo refletido nas empresas, tendo em vista que na nossa relação com o meio, influenciamos e somos influenciados.

Já reparou o quanto alguns assuntos são recorrentes? Saúde mental no ambiente de trabalho, lideranças distantes, comunicação violenta, excesso de cobrança, controle ou de informação, fluxos e processos ineficientes etc.

Será que a pesar das politicas organizacionais, da missão, visão e valores muito bem definidos de cada empresa, o que estamos vivenciando não seriam meras repetições de um padrão inconsciente de atuação arraigado na história de cada empresa e nos grupos internos que as constituem?

Será que não é chegada a hora de uma tomada de decisão consciente dos traumas organizacionais e a partir daí iniciarmos um processo de elaboração mais profundo para mitigação ou remissão definitiva de vícios e maus hábitos organizacionais?

O Ministério do trabalho e da Previdência afirma que os principais fatores de risco de adoecimento mental e comportamental são:

  • Cargas de trabalho excessivas.
  • Exigências contraditórias e falta de clareza na definição das funções.
  • Cobranças excessivas por alcance de metas de trabalho.
  • Comunicação ineficaz, falta de apoio da parte de chefias e colegas.
  • Assédio psicológico ou sexual, violência de terceiros.

Alguma surpresa nas afirmativas anteriores? Infiro que não.

São conhecidas. Mas por que estão tão presentes em nossas discussões sobre clima, adoecimento laboral e perdas imateriais?

Além de recordar e repetir, e com consciência, é preciso mudar! Mas isto dá trabalho e exige muita elaboração, tanto aqui no divã quanto lá na empresa…

 

Marcos Wagner

Psicanalista, partner We Head.

 

 

 

Freud, S. (1980). Recordar, repetir e elaborar (Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise II). In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 12, pp. 191-203). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1914)   

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